No último dia de vida dela não soube dizer-lhe tudo aquilo que sentia por ela.
É quase sempre assim que acontece. Estivemos juntos a celebrar o primeiro dia do ano de 2014 e, por entre algumas conversas que tivemos, recordo que brinquei com ela gracejando por algumas palavras que se lhe sumiam e pela dificuldade em ouvir tudo o que eu dizia. Coisas normais que a vida traz com o desgaste de um corpo experiente, maduro e vivido, que se vinha preparando para se entregar.
Já noite, na hora de ir embora, fiz-lhe o “cafuné” habitual, no seu cabelo curto cinzento claro e despedi-me com um beijo e um até amanhã… que nunca chegou a ser.
Quando se sabe o porquê das coisas é mais fácil aceitar o que acontece.
A permanente evolução do universo e de todos nós, seres humanos, e outros seres que habitam o espaço é feita de ciclos, de alternâncias e mudanças que trazem sempre algo de novo. São entradas e saídas de cena, onde nos bastidores se muda o guarda-roupa, se trocam guiões e personagens e se preparam novos atos desta peça infinita em que todos participamos a seu tempo e hora. Sem cabeças de cartaz todos são importantes, e as experiências vividas em palco trazem mais sabedoria a cada nova interpretação que acumulamos na bagagem.
O nascer de novo acontece sempre, sem qualquer dúvida, após o ato final que encerra um ciclo, e basta-nos observar à nossa volta o que finda e renasce para perceber que não somos diferentes. Mas o tempo universal não se conta em dias nem anos, e quando será possível estar de novo em cena, e quem sabe reconhecer alguém por detrás de outras vestes e voz diferente, é algo que não se consegue saber.
Os sentimentos que guardamos são pedras preciosas que preservamos como o nosso maior tesouro, e se forem realmente verdadeiros enriquecem a nossa vida com o brilho, com os olhares cúmplices, com as expressões, com o toque e tudo aquilo que amámos em alguém e agora saudosamente sentimos falta.
Aceitar o que é como é e saber seguir em frente é a homenagem que faz sentido prestar a quem brilhou connosco em palco e nos soube contagiar. Um dia também nós iremos sair de cena e nos bastidores, onde muitos estarão a trocar de roupa, saberemos se vamos integrar o novo elenco que está a entrar ou se ficaremos ainda a aguardar nos camarotes, observando a energia e a azafama que polvilha e transborda do palco da vida, aguardando a nossa próxima oportunidade.
Não serás agora, apenas, a minha madrinha, a mulher que conheci, e não sei se estás perto ou longe de mim, mas para todo o sempre estás na minha arca de tesouros por tudo aquilo que foste comigo, pelo amor incondicional que soubeste dar e pelo que juntos fomos capazes de ser.
Orgulho gigante em ter contracenado contigo neste Universo!
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