Fome de comer o dia!

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Se eu partir amanhã, posso não ver o teu sorriso e não vou ver o azul do céu, desumano, perderei a paixão pelos instantes de alegria, pela fome avassaladora de comer o dia, e o meu rosto poderá estar coberto com um véu.

Esse dia chegará como todos os outros repleto de incertezas, segredos e ilusões, experiências para viver, gente que vai nascer e morrer, correrias, euforias, tropeções…, esse dia, que será para muitos também o último nesta vida, vai chegar e dar lugar à saudade, essa coisa que poucos sabem descrever mas que começa na amizade, no afeto e carinho que outros irão sentir e que nos vai substituir, a ti e a mim, fazer de nós o que aqui deixámos, o que fomos capazes de ser e, se fomos felizes, o que sempre sonhámos.

O dia em que vou partir vai chegar e será no amanhã, um amanhã que não sei contar em tempo, dissimulado num futuro que todos os dias cresce ao nosso lado e nos acompanha passo a passo nos momentos, nas escolhas e pensamentos em que decidimos e procuramos dentro de nós o bem-estar, o que nos traz paz, mas às vezes não conseguimos, irritamo-nos, desanimamos, e tu pensas que eu não sou capaz.

Mas está aqui, está sempre comigo, e quando te fixo num olhar de verdade, despido das tretas e vaidade que crescem em todo o lado, percebo o afeto que tenho de ter doutra maneira, e não me arrependo de ter recebido tanto poder, de ser como sou e aspirar ter, por entre desejos e vontades, porque assumo quem quero ser, significante e deixar saudades, pelo que fui e pelo que sou, uma besta-quadrada, um dragão imaginário, um apaixonado escritor, tantas vestes, tantos diálogos, que é impossível recusar extraordinárias oportunidades de viver tudo o que eu quiser, até ao descanso final em que vou deixar de o ser.

Não me perguntes o tempo que falta porque não sei, já parei os relógios há muito e dei liberdade aos ponteiros da vida que correm soltos nas minhas veias, e agora assumo contigo a loucura infantil de ser ignorante para quem nos rodeia, para o que me faz sono e chateia, para o que é aborrecido e não têm energia, os azedumes, as queixas, o que me suja o rosto e tapa o sorriso, traz dores de cabeça e tanta coisa que não preciso.

Ontem, podia ter sido a véspera do dia em que iria morrer e deixar de te ver e dei por mim a pensar, a refletir, a imaginar, se o hoje não chegasse e o amanhã de ontem adormecesse sem acordar, as palavras de agora não poderiam sequer morrer, porque não se mata o que não pode nascer, e esta energia, esta fome de vida, de querer comer o dia, de espalhar magia contigo por todo o lado, fazer crescer, inundar toda a gente, cansar a tua aura e deixar-te dormente, não teria existido, os meus olhos iriam fechar-se e nós não teríamos acontecido.

Louco, ou talvez não, ignoro por agora toda esta nostalgia e alegro-me de estar contigo a ver o dia que já nasceu. Vamos embora rapaz…, dá corda aos sapatos porque tu és capaz, de ser gente valente, nobre e que segue em frente, quando os caminhos se estreitam e onde muitos se acobardam, dá-me a mão e seguimos juntos nesta aventura, surdos para quem vive da censura, acolheremos quem vive com a mesma paixão, quem sabe olhar como eu te olho e serpentear com humanidade o coração.

Se eu partir amanhã, hoje vou comer o dia todo, fatiar momentos de equilíbrio e dosear a harmonia, vou esgravatar a terra e plantar tudo o que quero que vingue, o amor sem fim pelo que se consegue abraçar, a bondade, a justiça e o respeito em qualquer lugar, vou carregar o estrume e sem pudor lavrar o chão, que hoje pisamos e todos pisarão, honrar a Terra e quem me pôs aqui, o Universo, um Deus, ou o meteorito que nunca vi, e quando um dia o meu amanhã chegar, quando eu deixar de sorrir e de ver o teu olhar, as nossas sementes irão brotar, crescer com fome de vida e vingar, e tu e eu estaremos juntos na eternidade a aplaudir a magia, a ver cada mais gente comer o dia e saberemos que fizemos um bom trabalho, tu e eu, corpo e alma, entregues à escolha de um dia termos nascido juntos para brilhar.

Se eu partir amanhã, hoje não me vou preocupar, vou continuar com alegria, com fome de comer o dia, porque todos os dias são dias para cultivar…

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