Filhos, a vossa vida não será melhor que a minha

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As próximas gerações de humanos não terão vidas melhores que as nossas.

A geração dos meus filhos como adultos e dos meus netos como adolescentes não será melhor do que esta por mais que esse seja o meu desejo e a minha vontade proferida aos céus em noites de melancolia. As gerações futuras não terão mais capacidades do que as nossas porque estamos a privá-los à nascença de um crescimento saudável, livre e natural, de poderem dar asas ao seu potencial, de serem autênticos e darem o seu melhor, de serem gente capaz de dar as mãos sem reservas de status, género, credo ou cor.

É reconhecido globalmente por toda a ciência moderna que estamos a degradar a qualidade do ar que respiramos, da comida que ingerimos, da água que bebemos e de todo o ecossistema que nos rodeia, que estamos a contaminar o nosso corpo com doenças limitadoras e o nosso cérebro com crenças opressoras, de um mundo acelerado, globalizado e viral, numa espiral de autodestruição que se propaga geneticamente e culturalmente pelos que se seguirão, onde os químicos e outras substâncias artificiais estão presentes de forma invasora em todos os setores da vida humana como nunca estiveram antes, sem que o beneficio possa ser expectavelmente superior aos malefícios que já se conhecem, mas que não são ainda representativos das causas que um dia retratarão o grande declínio da atual Humanidade.

O progresso, defendido como inevitável e necessário para o desenvolvimento que hoje temos, tem trazido às sociedades modernas mais problemas globais do que soluções locais centradas nas necessidades especificas do individuo, do grupo e da comunidade local. Sozinho, ele ignora por completo a particularidade e a diferença de tantas e tantas populações, culturas e regiões, aniquila os direitos básicos vitais de tantas formas de existência, promove a vida formatada em série etiquetada, e deixa à mercê da loucura a hipótese de haver gente saudável, tranquila e equilibrada.

A ilusão da tecnologia moderna faz-nos esquecer por momentos tudo o que existe fora dessa realidade virtual consumida por quase todos, onde o mundo real não perdeu o seu valor e, mais do que nunca, pela dimensão das populações atuais e necessário aumento do seu impacto total, há hoje em dia problemas de fome, miséria, exploração, violência, desigualdade, injustiça, poluição, devastação e tantos outros como não seria esperado em resultado das mentes brilhantes e da força de trabalho das gerações que nos últimos 80 anos alavancaram e concretizaram o maior salto que conseguimos documentar na história do Homem.

Nada disto aconteceu de forma deliberada por vontade determinada porque ninguém conseguia antever tamanhas consequências. Terão havido rumores, profecias ou teorias que indicavam algumas possibilidades que hoje se verificam mas a maioria das pessoas que viveram nestes tempos, e ainda hoje vivem, não tiveram noção do que estava a acontecer enquanto viviam. Sobreviver e procurar ter uma vida melhor sempre foi o objetivo de todos, onde me incluo também, porque assim o determinou a cultura e educação que recebemos da sociedade moderna e progressista em que crescemos, onde o bem-estar individual passou a assumir o papel central na vida de cada um em prejuízo do equilíbrio pelo bem-estar do conjunto.

Qualquer ser vivo luta todos os dias pela mesma necessidade que nós de sobreviver, de encontrar a melhor vida possível, de viver o máximo que o seu potencial lhe permite. Isto acontece com todos os insetos, animais, plantas e de uma forma geral todos cumprem o seu desígnio pela lei do mais forte, pela seleção natural das espécies (como referiu Darwin) em que sobrevivem os mais preparados.

Acontece que o ser humano não é um ser vivo qualquer. No planeta Terra representa o ser vivo mais capaz, o mais dotado, o que se desenvolveu física, intelectual e espiritualmente mais do que qualquer outro ser vivo que seja do nosso conhecimento. Sem grande dificuldade o homem de hoje assumiu o seu papel dominante e controla hoje tudo o que o rodeia sendo capaz de impactar todo e qualquer ambiente e os que lá habitam e sobrevivem.

Porém, esta capacidade tem sido explorada sobretudo de forma inconsciente porque neste papel de evolução e desenvolvimento os valores essenciais do conjunto e do equilíbrio do Todo que nos rodeia foi esquecido e perdeu-se por entre a ilusão da posse material, da conquista, da exploração do “tal” progresso a todo o custo. Esta forma de estar na vida atual é o que está a provocar consequências nas gerações futuras que estão à partida boicotadas pelos nossos erros e falhanços de evolução no desenvolvimento das sociedades humanas, e quando se defende que estamos a viver uma época de ouro da Humanidade significa que estamos a ficar cegos pelo brilho e ofuscados pela riqueza aparente do momento, sem perceber que o declínio está a chegar e será o que se segue ao auge, ao pico, como em todos os ciclos universais que se conhecem e do qual as civilizações outrora existentes e atualmente extintas são exemplos reais do que se diz.

Construir, fazer crescer e fomentar em todo o Mundo grandes centros urbanos, megalópoles com mais de 10 milhões de habitantes (tantos quantos os habitantes de Portugal) e difundir a ideia que é ali que a vida atinge o seu auge, que as oportunidades acontecem, que a felicidade se encontra a cada esquina e tudo existe para servir e proporcionar a excelência da nossa existência, é mentir descaradamente aos jovens que crescem e seguem os nossos exemplos e seguem atrás dos ideais que lhes vendemos, é destruir qualquer possibilidade de existência não conforme com o modelo quando se isolam propositadamente os que não aceitam esta forma de vida e se ostracizam os que pensam por si só, é explorar continuamente a ingenuidade dos mais distraídos, dos que levam a vida de forma simples e honesta, submissa mas honrada, dos que confiam em quem governa, lidera e orienta, porque se assume que a bondade que há em todos os seres humanos prevalece como valor maior que regula as leis, as normas, as teorias, os hábitos e as ações globais destes aglomerados de gente, onde vivem pessoas influentes, idolatrados como ícones da raça humana, a nossa raça humana que se desenvolveu como nunca antes e que controla hoje a vida na Terra e sonha em conquistar o espaço cósmico.

Tristeza e desilusão é o que se sente quando acordamos um dia e percebemos que tudo isto está a ruir. Para alguns nunca existiu, para outros estava previsto que ia ser assim, e muitos ainda não perceberam que o sonho está a terminar.

Um vírus, um simples vírus que já existia na natureza mas resolveu aparecer dentro de nós mostrou-nos a fragilidade deste modelo de vida global assente em números e quantidades, em ajuntamentos, em torres, em cercas, em códigos de barras, em cópias baratas e downloads ilegais, em falta de originalidade nas ações, nos sonhos e claro nos valores morais. Já se disse muito sobre isto e não vale a pena aprofundar, mas é certo que ainda mais vêm por aí e um dia se irá falar.

Importante é talvez pensar que nada do que existe na nossa sociedade global é assim tão perfeito que mereça a pena lutar incessantemente por ele. Talvez o conhecimento e a partilha de informação sejam exceção, ou existam outras coisas que quero ter na mão, tudo o que é bom e sei que deve vingar, tudo o que herdámos da nossa essência e nos faz saber gostar e apreciar, tudo o que rima e nasce da paixão, do amor da compreensão, do respeito, do dar valor e do saber que não se deve infligir miséria e dor, tudo o que existe na singela natureza, como na pequena criança e na sua beleza, a inocência, a curiosidade e a confiança, aquilo que não precisa de palavras para se expressar e que tem a sua energia de vida num simples gesto de apreço ou no sorriso de um olhar.

Como em quase tudo o que se conhece da vida simples que se leva, há sempre oportunidades que surgem nos momentos certos para a mudança que desejávamos em nós, na nossa personalidade, na nossa roupa, na casa, no emprego ou trabalho que temos, no carro, mota ou bicicleta e naturalmente na sociedade em que vivemos.

Foi assim que chegámos aos dias de hoje e é assim que iremos evoluir e construir o futuro. Não somos mais do que um grupo de pessoas a querer viver o melhor momento a que têm direito, mas devemos pensar que não estamos sós e que atrás de nós vem gente a quem devemos acima de tudo o nosso maior e sincero respeito.

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